Resenhas

O tesouro musical de Rubi  

O violão de aço se junta ao de náilon e os dois, dedilhando acordes, aguardam Rubi perguntar cantando os versos de "De Onde Vem a Calma" (Marcelo Camelo): "De onde vem a calma daquele cara?" Pronto! Começou Paisagem Humana (selo Sete Sóis, em parceria com a gravadora Eldorado, com apoio da Petrobras), álbum que em tudo resplandece simplicidade. Nele, tudo é perfeita sincronia entre a musica brasileira contemporânea e a poética do mundo, e lá todas se ajeitam e se aninham. "Minha pátria é minha língua." Nossa sorte é não ouvir nada à meia-língua nos sons do Brasil. Língua/música inteira e bela, inculta e tagarela.

Se Camelo dá seu dom a primeira faixa, todas as outras que se seguem trazem impressas a fogo a marca de talentos que fazem da música brasileira a diversificação em forma de notas e acordes; de poesia e ritmo.

Rubi não se presta a excessos, nem a futilidades. Vai ao ponto, ao centro da mosca que se deixa atingir docilmente. O charme do cantor é eficaz para cortejar e lançar olhares sensuais em direção às canções escolhidas, que bem merecem o tratamento irresistível que lhes dá a voz inclassificável que só ele tem.

Junto a outros, como Estevan Sinkovitz, Caio Andrade, Luciano Barros, Luiz Gayotto, Rovilson Paschoal, Chandra Lacombe e Kléber Albuquerque, Rubi se faz criador de nuances instrumentais. E sobre esses arranjos, cheios de força, ele ajunta cada sílaba e as revela em interpretações de canto cheio de magia e de feitiço.

E a palavra se solta em meio à vida aberta. E a voz recria o ofício. E a garganta se faz profunda, intrigante. E as cordas vocais vibram febris, instigantes. A fera tem porte indócil. Garras de felino. Corpo de homem. Alma doída de menino; moço doido, leviano. Coração dilacerado. Sensibilidade ensandecida. Boca entreaberta. Pernas no mundo. Pés descalços. Braços sem músculos. Dedos de prender, mãos de soltar, unhas de coçar, lágrimas de escorrer. Fortaleza de sentir. Peito de escancarar. Dentes de morder, lábios de beijar. A dor da morte. A festa da vida.

A voz de Rubi é doce quando quer, suave quando carece e forte se assim necessitar. Grave por vezes, aguda quase sempre. Inusitada, especial, sempre. Bela e afinada voz tem Rubi - assim é, faz dela o que quer. Brincar de gato e sapato com ela é o modo que tem de revelar seu mundo, de transbordar sua afeição à vida, de sentir prazer por ter gente querida ao redor.

A força do trabalho está no acerto dos arranjos que permitem que Rubi venha da voz apenas - densamente protegida por guitarra, contrabaixo, percussão, violões de aço, de náilon e de sete cordas e bandolim.

Marcante também em Rubi é seu vasto horizonte a descortinar músicas que lhes cabem na voz feito luva macia: "Santana" (João Carlos e Júnio Barreto); "Gira de Menino" (Ceumar e Sérgio Pererê); "A Ilusão da Casa" (Vitor Ramil); "Paredemeia" (Kleber Albuquerque); "Inverno" (José Miguel Wisnik); "Cabimento" (Kléber Albuquerque e Cláudia D"Oreyl); "Você Me Chamou de Nego" (Gasolina); "Fica Comigo Esta Noite" (Adelino Moreira e Nelson Gonçalves); "Infinito" (Gero Camilo); "Dia de Estrelas" (Kléber Albuquerque e Élio Camalte); "Mar interior" (Maria Tereza); "Ai" (Kléber Albuquerque e Tata Fernandes); "Tudo de Novo" (Roseli Martins); "Eleva dor" (André Abujamra); "Pra Eu Parar de Me Doer" (Milton Nascimento e Fernando Brant); "Por Tudo Que For" (Lobão e Ricardo Vilhena).

A música cantada e arranjada por Rubi e seus parceiros traz belas paisagens, letras, imagens e ritmos fortes, levadas de desabotoar os botões da roupa, desfazer as tranças, despentear o topete...

A saudade pode matar a gente, morena. Mas da vida só se pressente o verso sem reverso, da chuva só se sabe a poça, do tempo só se sente o passo rápido, da morte só se nota o passo ávido em chegar, em pegar, arrastar, atazanar.

Mas a vida vive de parecer que não se mexe. Dissimulada, faz valer seu jeito arredio de ser, tentando provar que não é o que quer ser.

Como a vida, música espanta, mostra a cor.. Rubi.

 

Aquiles Rique Reis, músico, vocalista do MPB4



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