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ImprensaZé Modesto lança 'Xiló', uma reverência à madeira como matéria sonora e poéticaO compositor Zé Modesto lança seu segundo cd, Xiló, percorrendo novas paisagens sonoras, além das já apresentadas em seu primeiro álbum, Esteio (2004). Elementos do primeiro trabalho reaparecem em Xiló, como a preferência pelos ritmos brasileiros de origem popular e a poética religiosa permeando certas canções. A novidade fica por conta do conceito estético mais enxuto e cru. Xiló evidencia os instrumentos acústicos, explorando as veias sonoras da madeira em sua amplitude e singularidade. De origem grega, o termo xilo significa tanto madeira como matéria. Zé Modesto funde estas idéias ao reverenciar a madeira como matéria sonora e poética, buscando a essência do som e das palavras em movimentos que vão do recolhimento silencioso diante dos mistérios da vida à expansão intensa do grito tribal. Ao folhear o encarte, encontra-se a reverberação do conceito Xiló nas fotografias de Edward Zvingila. A obra fotografada é do artista argentino Carlos Bruna, que gentilmente cedeu ao compositor seus calados – verdadeiros bordados em madeira. O repertório de Xiló alterna momentos distintos. O primeiro deles é uma clara homenagem à cultura popular brasileira por meio dos ritmos da congada, folia de reis, maracatu e ijexá, representados pelas quatro primeiras canções do álbum: “Esteira”, “Meio Mistério”, “Antífona” e “O que há”. O segundo, marcado por introspecção e recolhimento, é um convite ao silêncio e à escuta reflexiva, com as canções “Leitura”, “Desvãos”, “Sobrevida” e a instrumental “Para o Ernesto”. Em seguida, um momento festeiro, com os ritmos típicos das celebrações populares, como o boi do Maranhão, em “Bedô”, e o samba “Pirapora”, um tributo à Festa de Bom Jesus de Pirapora, no interior paulista. Para encerrar, uma convocação esperançosa à coletividade, representada no galope “Simbora” e na canção “Tribo”. Zé Modesto divide a direção musical de Xiló com o violonista Jardel Caetano e a pesquisa sonora é realizada em parceria com os músicos que já o acompanham desde Esteio: o próprio Jardel Caetano nos violões e violas, assinando todas as bases harmônicas; Priscila Brigante, na concepção rítmica, percussão e efeitos; e Itamar Pereira, no contrabaixo. Os músicos convidados são: Adriana Holtz, no violoncelo; Juca Leite, clarinete; Maicira Trevisan, flautas e pífanos e Zé Gomes, nos violinos e rabecas. Nas interpretações, reaparecem algumas vozes de Esteio, como as de Ana Leite, Ceumar, Dalci, Marcelo Pretto, Renato Braz, Rubi e o próprio Zé Modesto, além das participações especiais do cantor Mateus Sartori, do grupo Nhambuzim e do cearense Zé Vicente. Algumas cançõesAntífona – Interpretada como uma calorosa prece por Ceumar, Antífona já contagiou o público nas apresentações de pré-lançamento de Xiló e nas andanças da cantora pelo Brasil. Em coro, como nas legítimas festanças religiosas, todos rogam a ‘Nossa Senhora, Mãe Preta do Paraíba’, que lhes conceda uma bênção, sob as notas certeiras das rabecas de Zé Gomes. A letra rimada, entoada por Ceumar com suavidade sentida, mexe com a sensibilidade dos que ouvem e convoca o canto.O que há – Fechando o bloco de canções que homenageiam a cultura popular brasileira está O que há, uma antiga parceria com o músico e amigo Itamar Pereira. Numa levada de ijexá, interpretada com graciosidade por Ana Leite, a canção resgata o tom lúdico presente no cancioneiro popular. Os movimentos da criança empinando pipa são sentidos nas quebradas rítmicas e na percussão corporal de Priscila Brigante. Descortinam ao ouvinte a vastidão do imaginário.Leitura – Introduzindo o momento introspectivo do cd, Leitura passeia por caminhos literários guiada pela voz firme e límpida de Dalci. Numa clara referência aos livros “Morte Feliz”, de Albert Camus, “O som e o sentido”, de José Miguel Wisnik e “Cem anos de solidão”, de Gabriel García Marques, a letra da canção exalta o entrelace perfeito entre a música e a literatura, em ritmo mourisco d’As mil e uma noites.Desvãos – O belíssimo canto à capela de Mateus Sartori introduz Desvãos, canção enraizada em sentimentos profundos e inerentes à condição humana, como o amor, a solidão e a angústia. A voz de Mateus percorre os desvãos e salta em largas amplitudes, acompanhada pelo violão impecável de Jardel Caetano, fazendo brotar sensações sonoras tão singulares quanto os versos do poema-canção.Sobrevidas – De título e inspiração marcadamente urbanos, Sobrevidas apresenta cenas cotidianas sob o peculiar olhar do compositor, tendo como fio condutor figuras de linguagem que imprimem peculiaridade ao rotineiro. Os versos ‘a multidão sem chão peneirando o sol que quara suas vidas’ ou ‘a imagem de mulher nua na colher dentro da marmita’ exemplificam o poder imagético da canção, reforçado pela apurada interpretação de Rubi.Pirapora – No samba Pirapora encontramos o compositor-pesquisador dando sua própria voz para anunciar a origem do samba paulista. É dos interiores que ‘brotam memórias de se contar’ e cantar: vem de Bom Jesus de Pirapora a inspiração para este samba. Partindo das raízes africanas do samba paulista e passando pelos ‘cateretês dos caipiras’, Pirapora chega aos barracões onde se reuniam os negros expulsos das celebrações católicas, numa denúncia-homenagem lúcida e bem-humorada.Tribo – É com pulsação tribal que Xiló se despede. Do fundo da terra, no grito da alma, de mãos dadas e pés descalços, Tribo convoca a coletividade na voz estandarte de Renato Braz. Em ritmo crescente, acompanhamos o batimento cardíaco da percussão de Priscila Brigante, levantamos todos da mesa, já alimentados, e saímos em gigantesco abraço festejando os gêneros brasileiros, as celebrações populares e os necessários recolhimentos propostos por Zé Modesto.Cristiane Fernandes Leite | Apresentação | Resenhas | Imprensa | Produção | Multimídia | |